Assistência

Trabalho do Naca vira referência ao Estado

Governo do Estado vai elaborar programa com base nas atividade do Núcleo de Atendimento à Criança e ao Adolescente para aplicar em programa de formação

Jerônimo Gonzalez -

Quase metade dos casos que chegaram ao Núcleo de Atenção à Criança e ao Adolescente (Naca), em 2016, são de abuso sexual. Uma realidade que tem se repetido nos últimos anos. E ainda que as estatísticas de violência - de todos os tipos - estejam em alta e espalhem preocupação, é possível afirmar: o silêncio vem sendo rompido. Cada vez mais. Episódios antes guardados no ambiente familiar - onde ocorre a grande maioria das agressões -, hoje se transformam em notificação em Pelotas.

E o mais importante: devem receber olhar especializado, tanto para o tratamento da vítima quanto para a reabilitação do agressor.

Um cuidado que precisa ser estendido a toda a Zona Sul. A todo o Rio Grande do Sul. É um dos focos da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social, Trabalho, Justiça e Direitos Humanos, que deverá transformar a trajetória de 16 anos do Naca em uma das referências na elaboração de um programa de formação continuada para a rede estadual de proteção à criança e ao adolescente e conselheiros tutelares.

Representantes da Secretaria já estiveram, inclusive, em Pelotas para conhecer mais de perto o trabalho, a equipe e o espaço de atuação. “Viemos para fazer uma escuta qualificada sobre como o Naca desenvolve suas ações e atendimentos à comunidade”, destaca a coordenadora da Criança e do Adolescente do Departamento Estadual de Direitos Humanos, Maria da Graça Paiva.

“Estamos em fase inicial de desenho da nossa proposta de educação continuada, que deverá ser submetida aos comitês internos da Secretaria”, acrescenta. Um trabalho que deverá chegar também a outras instituições parceiras.

Um olhar para além da violência
A cada novo caso que chega ao Naca, de diferentes classes sociais, a equipe não se restringe a enxergar episódios de abuso sexual, de agressões físicas e psicológicas ou de negligência. Para garantir proteção à vítima, amparo ao núcleo familiar e tratamento também ao autor da violência, é fundamental ir além.

Não raro, o ambiente está cercado de tantas fragilidades, de tantas necessidades que, antes, é preciso traçar estratégias de sobrevivência - explica a diretora-presidente, Gisele Scobernatti. De moradia e alimentação à preservação da integridade. É preciso assegurar o básico. É quando os profissionais de diferentes serviços da rede atuam em conjunto.

“Precisamos articular ações e, num primeiro momento, buscar a redução de danos”, defende a psicóloga. Só então, atendidas as prioridades mais urgentes, é possível atentar-se à avaliação do desenvolvimento cognitivo e neurológico - pós-violência -, investir em minimizar traumas e centrar o alvo em um dos pontos mais importantes: combater a tendência de essa criança e adolescente tornar-se um futuro agressor.

“Eles tendem a estabelecer relações da forma que aprenderam. É a chamada compulsão à repetição”, destaca a doutoranda em Psicologia Social e Institucional. O desafio, portanto, é para que as vítimas possam desconstruir esses modelos e desenhar outros caminhos. Bem distantes de qualquer tipo de abuso ou de agressão. Afinal, os estudos demonstram: em geral, o que a vítima quer é a cessação da violência e não necessariamente a ruptura da relação. E é fácil de entender o porquê: não raro quem está por trás da prática de violência são familiares e pessoas por quem tem largo afeto. É um contexto de sentimentos controversos: medo e carinho. Amor e ódio.

Marcas profundas
As ocorrências de abuso sexual sempre chocam a sociedade. Mobilizam. Causam indignação. Para vítima, os efeitos são vastos. Duros. Provocam prejuízos que atingem diferentes esferas da vida: o desenvolvimento cognitivo, o convívio social, a aprendizagem e o rendimento no trabalho - no caso dos adolescentes.

“É uma das situações mais traumáticas. Só perderiam para os campos de concentração”, ressalta Gisele. E uma das barreiras para reabilitar o abusador é a evasão. A dificuldade de ele se reconhecer como autor para, então, encarar o tratamento e querer mudar. É quando crescem as chances de não reincidir.

Mediador de conflitos
O administrador de empresas, de 42 anos, conversa com serenidade e resume: “Hoje eu agradeço o apoio. A ajuda do Naca é excelente”. Há três meses, quando recebeu telefonema para passar a integrar um grupo para mediação de casais em conflito familiar, precisou superar o susto. “Nunca tinha ouvido falar no Núcleo. Logo pensei em polícia”, admite.

Atualmente, são várias as razões para comemorar. Ele e a ex-mulher têm conseguido estabelecer relação mais respeitosa, mas o principal: o único filho, de 14 anos de idade, é quem mais festeja um ambiente de menos discussão, gritos e brigas. “A gente só vê depois que esse é um processo que afeta a criança.” Resultado: o adolescente começa a ganhar confiança e autonomia para fazer trajetos, sozinhos, de volta para casa. Um ato simples, mas motivo para ser celebrado.

E, ao identificar os progressos rápidos, procura incentivar outras famílias a também aceitarem orientação. “É preciso querer sair do quadrado, abrir a mente e se corrigir”, resume. E ganha o eco da psicóloga Genaíne Ança, acostumada a lidar com a resistência inicial ao tratamento: “É uma situação que depende de a pessoa querer se desacomodar para atitudes e condutas novas”.

Saiba mais
►Em setembro, o Naca completará 17 anos de atuação em Pelotas.

►Nos últimos anos, como Organização da Sociedade da Civil de Interesse Público (Oscip), tem atendido crianças e adolescentes de outros municípios da região, como Cerrito, Pedro Osório e Pinheiro Machado.

►A equipe técnica, hoje, é composta por nove profissionais: cinco psicólogas, duas assistentes sociais, uma psicopedagoga e uma bacharel em Direito. Oficineiros em áreas, como Nutrição e Educação Física também integram o trabalho.

►As ações se baseiam em quatro eixos: tratamento, prevenção, assessoramento e produção científica.

►Informações, dúvidas e denúncias podem ser feitas pelo telefone (53) 3025-6771.

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(*) Cada uma das crianças ou adolescentes pode ser vítima de mais de um tipo de violência. Por isso, em 2016, foram 361 vítimas de 383 casos de violência
(**) As agressões físicas e psicológicas são identificadas como abuso, já que o termo refere-se à intenção de causar o dano e à repetição da conduta

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